Acocorado atrás desse muro, pareces uma criança assustada, ridículo vindo de ti essa tua posição perante o mundo, parece que vais defecar toda a merda do Universo, as faces rígidas e vermelho-palidas pareces aquele vagabundo que outro dia te pareceu morto deitado na sarjeta e que tu nada fizeste para ter a certeza do estado do desgraçado. O que é que fazes aí, assustada criatura, perdeste a raiva e o desdém, morreu-te a coragem de mastigar os outros a teu belo prazer, ou estás de facto a cagar.
Não. Nada disso, já descobri, estás apenas a esconder-te, estás a fugir, estás mesmo com medo, tremes, e o que é isso que te está a correr pela face, não me digas que agora deste em maricas cobardolas e desata a chorar, que merdas tu me saíste, tens as asas caídas contra o chão e agachado choras como criança, estás deveras ridículo, o que é que te aconteceu para te acobardares assim e esconderes esse horrendo corpo atrás desse muro
Olhando à tua volte parece-me que falta alguma coisa ao cenário normal dos teus dias. Já sei, estás sozinho, a puta que te segue e persegue não está contigo. Não me vais dizer que é por causa dela que estás nesse pranto, nunca lhe deste importância, nem quando ela te deixava para ir atender um cliente para ganhar algum dinheiro, dinheiro que tu bebias em largos tragos de vinho manchado do seu sangue e das suas lágrimas. Não me digas que ela foi com um cliente e que isso de repente te assusta ou trás a consciência atropelada. Não acredito que estejas preocupado ou sequer enciumado. Não isso não são coisas do teu conhecimento, nem sequer são palavras que tu alguma vez tenhas proferido, sempre te estiveste nas tintas para aquilo que a tua puta sombra fazia, e o dinheiro que te dava era sempre bem vindo e tu sempre soubeste a sua proveniência. Que vontade de rir que tu me dás, tenho vontade de saltar o muro e derrubá-lo par que quem passa do outro lado te veja e tenha um momento de prazer ao ver-te assim, tu que sempre andas tão altivo a pavonear essas asas sempre sujas pelas ruas da cidade e a olhar cheio de desdém para quem passa e te foge da frente. Que ridícula e patética figura tu estás a fazer. Levanta-te, deixas-te de choradeiras, ergue as asas e vai para o ouro lado do muro procura uma tasca e enterra essas lágrimas num copo, e serve-te dele para quando te der a arrogância de olhar os outros com menosprezo pensares que tu também és fraco.
Enquanto te penalizas por nunca teres tido um gesto, por muito insignificante que fosse, ou dito uma palavra de apreço, a tua puta frágil está algures a ser trespassada por um macho desabrido, e preocupada contigo chora lágrimas de sangue a cada investida, o macho apenas quer o corpo e pouco lhe importa se ela chora ou ri e uma e outra vez atira o pesado corpo contra a frágil puta que te chora e leva o pensamento para o teu corpo, num esgar entre grunhidos morre o macho satisfeito, como se tivesse feito uma grande bravura. Saciada a fome olha desinteressado para a puta levanta o corpo e atira para cima da cama algumas notas. Notas que tu vais beber num bar rasca e enterrado no vinho vais depressa esquecer essa lágrimas que te apareceram e te levaram para esse esconderijo improvisado, mas a tua sombra não vai apagar as marcas indeléveis do corpo e muito menos da mente, a tua puta frágil não esqueceu uma única vez cada homem que lhe caiu em cima, os hálitos e os hábitos as depravações e as taras, nunca conseguira esquecer os tratos que lhe deram, como não te esquece a cada momento que se sente perfurada por homens que só vera uma vez na vida, sempre que tem a tarefa de vender o corpo, é em ti que pensa para conseguir não fugir debaixo dos corpos que lhe caiem em cima desinteressados de si própria
Tu aí enterrado nas asas e nas lágrimas, levanta-te, deixa-te de fingimentos e acorda, nunca foste assim, as asas pretas que trazes presas a ti estarão a trair o seu senhor e a deixar-te igual aos homens, ou estarás a ficar velho e assustado. Ironia do mundo, afinal não és tão forte como mostras aos outros e corróis-te por dentro na altivez com que olhas o mundo. Olhando para ti vejo uma criança assustada, e tu não és tu
Grito na noite que atravessa a cidade e afunda no peito de quem ouve uma agonia ansiosa, um susto que petrifica, a tua voz ecoa na noite, és outra vez tu, passou-te a choradeira, as asas saem da terra abres os braços como se quisesses abarcar o mundo contra o peito.
sexta-feira, 9 de novembro de 2007
Asas VII
Postado por
White Night
às
14:34
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